FOME: questão social e de saúde pública
Além de ser compreendida como a face mais preocupante da questão social, a fome tem sido um dos principais agravantes à saúde mental e emocional de grande parte da população no cenário nacional.
Para Angelis (1999), fome é a necessidade visceral de introduzir alimentos no estômago, é a sensação de estômago vazio [...] a sensação da fome faz com que o homem procure comida, isto é influenciado por uma complexidade de situações, inclusive, por estímulos sociais e psicológicos.
A sensação e os estímulos citados acima têm acontecido de modo inaceitável para milhões de brasileiros/as no decorrer dos anos ao ponto de prejudicar a saúde mental e emocional, além do aspecto fisiológico. Isso traduz os interesses do capital e do estado nas três esferas governamentais em diferentes contextos históricos no Brasil.
Segundo Abramovay (1998), a fome, quando atinge um certo ponto, aflora no homem seus instintos mais destrutivos, que, paradoxalmente, são instintos de sobrevivência diante dos quais só há duas possibilidades: a satisfação de suas necessidades ou a repressão sistemática pelo estado.
Apesar da existência de programas sociais voltados para a população excluída dos direitos fundamentais, como o da alimentação, tem sido comum as inúmeras situações onde pessoas famintas e transtornadas furtam itens de necessidade básica e são punidas com penas longas ou com disparos de tiros pelas costas.
De acordo com Schast (2024), a escassez de alimentos afeta diretamente o bem-estar psicológico porque a alimentação não é apenas uma necessidade biológica, mas também está intimamente ligada ao equilíbrio emocional e ao funcionamento adequado do cérebro.
Nesse processo, torna-se inconcebível a falta de alimentos à mesa de várias famílias em um país que tanto produz e exporta, logo, percebe-se o quanto é produzido também, a má distribuição de oportunidades, a insegurança alimentar, a fome e os transtornos mentais e emocionais.
Diferentes estudos têm identificado uma parcela significativa da população com transtornos mentais, como a ansiedade e a depressão, por causa da fome e da insegurança alimentar, problemas ocasionados pelo sistema em conjunturas distintas no âmbito nacional.
Conforme a FSP/USP (2023), a insegurança alimentar é um contribuinte para os transtornos mentais, já que a incerteza da alimentação pode levar ao risco de sintomas depressivos e ansiosos. Para Schast (2024), a fome e a insegurança alimentar são fenômenos profundamente enraizados na desigualdade social e têm consequências que ultrapassam a dimensão física da saúde.
Além disso, as referidas problemáticas têm provocado a desnutrição, principalmente, na infância. Fato que tem se tornado uma grande demanda para a saúde pública, ao longo dos anos, em todo território brasileiro, cujo contrapõe a geração de lucros e o enriquecimento da classe dominante distribuída entre o poder público e econômico capitalista.
Para Macêdo (2004), a fome e a desnutrição são tipos de doença social que baixam a imunidade e deixam as pessoas vulneráveis à outras doenças, além de fragilizar o crescimento e o desenvolvimento, inclusive, no processo ensino-aprendizagem, cujo repercute na capacidade e força de trabalho.
De acordo com Abramovay (1998), é preciso lembrar que o trabalhador pouco qualificado é, em geral, mal remunerado. E quanto pior é a remuneração da base da sociedade, da grande massa, menor tende a ser seu mercado interno, o que limita imensamente suas possibilidades de desenvolvimento econômico.
Segundo o autor (idem), ao atingir as grandes massas humanas, a fome não prejudica apenas ao indivíduo, mas torna doente a própria sociedade por onde se propaga.
Isto é, prejudica diretamente o desenvolvimento humano, social e econômico no país, como tem acontecido em nossa realidade, apesar da implementação de políticas públicas e programas sociais ao longo da história.
Se por um lado o estado tem criado mecanismos de combate à fome e às sequelas decorrentes, como a desnutrição e o subdesenvolvimento humano, social e econômico, por outro lado, ainda pode-se identificar um grande número de pessoas doentes nas ruas, em residências inapropriadas e internadas.
Um quadro da realidade brasileira que tem negligenciado o direito primordial ao ser humano, que é o da alimentação. Este, intrínseco, aos demais direitos individuais e coletivos assegurados na Constituição Federal de 1988, como direito universal à saúde pública através do SUS.
Além dos artigos e leis complementares da CF de 1988, existem outras garantias jurídicas a nível mundial e nacional relacionadas ao direito à alimentação, como por exemplo: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Estatuto da Criança e do Adolescente, programas sociais de combate à fome, entre outros.
Segundo Marchioni, e Bógus (2022), o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) está contemplado no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. No Brasil, resultante de amplo processo de mobilização social, em 2010 foi aprovada a Emenda Constitucional nº 64, que inclui a alimentação no artigo 6º da Constituição Federal.
Conforme Valente (2002), o direito à alimentação começa pela luta contra a fome, ou seja, pela garantia a todos os cidadãos de ter acesso diário a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para atender as necessidades nutricionais básicas essenciais para a manutenção da saúde.
Para Castro (2002), os interesses econômicos das minorias dominantes trabalham para escamotear o fenômeno da fome, ainda que a produção, a distribuição e o consumo dos produtos alimentares continuem como fenômenos exclusivamente econômicos e não de interesse da saúde pública.
Portanto, é preciso refletir sobre as atitudes cotidianas desencadeadas por nós, especialmente, as que alimentam a ganância capitalista e o ego da maioria dos políticos nas três esferas governamentais. Até porque, como consequência de tamanha ignorância, a desigualdade socioeconômica e a fome continuam bem perto de nós ou, quiçá, em nossos lares.
REFERÊNCIAS:
ABRAMOVAY, Ricardo. Uma doença social. In: O que é fome. Col. Primeiros Passos. 9ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1998.
ANGELIS, Rebeca Carlota de. Fome oculta: impacto para a população do Brasil. São Paulo: Atheneu, 1999.
CASTRO, Josué. Geografia da fome - o dilema brasileiro: pão ou aço. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
Faculdade de Saúde Pública - FSP. Qual é a relação entre insegurança alimentar e saúde mental? Universidade de São Paulo - USP, 28 SET 2023.
MACÊDO, Antônio César Dias de. Evolução histórica da política de saúde no Estado da Paraíba: 1960 a 1990. João Pessoa: Idéia, 2004.
MARCHIONI, Dirce Maria Lobo; BÓGUS, Cláudia Maria. O Direito Humano à Alimentação Adequada como diretriz de políticas públicas. Jornal da USP, 21 DEZ 2022.
SCHAST, Karoline Albini. O impacto da insegurança alimentar na saúde mental. UNINTER, 8 NOV 2024.
VALENTE, Flávio Luis Schieck. Direito humano à alimentação: desafios e conquistas. São Paulo: Cortez, 2002.
TEXTO E SLIDES:
MACÊDO, Antônio César Dias de. Fome: questão social e de saúde pública. Saúde Coletiva e Meio Ambiente. Textos. < antoniocesardm.com > 20 AGO 2024.
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